Receita Federal pode entregar dados diretamente para o MPF
Para TRF-3ª Região, proteção de informações bancárias e fiscais de cidadãos e de empresas é relativizada em prol da investigação e do combate a crimes tributários.
A proteção de dados bancários e fiscais de cidadãos e de empresas deve ser relativizada em prol da investigação e do combate a crimes tributários. Assim decidiu, por maioria de votos, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) nesta segunda-feita (6/2).
Para o relator do caso, desembargador federal Paulo Fontes, o Ministério Público Federal pode requisitar informações e documentos diretamente à Receita Federal em seus procedimentos investigatórios. O acórdão, que recebeu voto divergente do desembargador Maurício Kato, foi proferido em Habeas Corpus impetrado por uma ré acusada de fraudes em sociedades empresariais e em um leilão realizado em 2010. Ela alegava que o MPF não poderia solicitar as informações à Receita Federal sem prévia autorização judicial e requereu o trancamento da ação.
Para fazer valer seu voto, Paulo Fontes explicou que a doutrina e a jurisprudência têm retirado a proteção de dados bancários e fiscais do direito à intimidade, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição. Para ele, na atualidade, em “momento de alastramento da corrupção e da criminalidade organizada como um todo, inclusive de terrorismo”, os órgãos de investigação devem ser fortalecidos nas suas funções.
O magistrado, que fez carreira como procurador da República na 5ª Região, também lembrou que a Constituição e a Lei Complementar 75/93, que organiza o Ministério Público da União, garantiram ao órgão a possibilidade de requisitar informações e documentos nos seus procedimentos investigatórios. O que ocorreria, na sua visão, não seria propriamente a quebra de sigilo, mas a transferência de sigilo fiscal ao Ministério Público. Desse modo, o caráter sigiloso das informações seria mantido, mas compartilhado com o órgão ministerial.
O voto ainda destaca que a nova ordem constitucional põe os membros do Ministério Público “ao abrigo de injunções políticas e outras formas de pressão que poderiam macular uma atuação isenta e voltada à consecução do interesse público”, equiparável ao que ocorre com os magistrados. Também ressaltou que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade de o MP investigar crimes de forma direta — o chamado “poder investigatório do Ministério Público em matéria penal”.
O relator estabelece uma analogia com o tratamento dado aos agentes da Receita Federal em matéria de sigilo bancário. “Se a Receita Federal, com atribuições relevantes, mas certamente não mais que aquelas desempenhadas pelo Parquet, pode requisitar diretamente dados bancários, por que não poderia fazê-lo o próprio Ministério Público?”, indaga.
Além disso, a decisão afirma que os instrumentos internacionais e organizações de que o Brasil faz parte aconselham firmemente a flexibilização do sigilo bancário como forma de aprimorar o combate à criminalidade organizada. Como exemplo, citou a Recomendação 9 do Grupo de Ação Financeira (GAFI), organização encarregada do combate à lavagem de dinheiro em âmbito mundial.
Fontes conclui o voto lembrando que os órgãos de direção do Ministério Público têm se empenhado para regular a atuação investigatória de seus membros, de maneira a evitar abusos. É o caso da Resolução 77, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, que proíbe a expedição de intimações e requisições sem que seja instaurado procedimento investigatório formal. O caso julgado já resultou em ação penal e tramita no primeiro grau da Justiça Federal.
Virada no Supremo
A quebra direta do sigilo fiscal do contribuinte pela Receita Federal sem a necessidade de autorização judicial já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal. Em fevereiro de 2016, por 9 votos a 2, o STF, alterou seu entendimento anterior de 2010 e decidiu ser constitucional a Lei complementar 105/2001, que permite aos órgãos da administração tributária quebrar o sigilo fiscal de contribuintes sem autorização judicial. Ficaram vencidos no julgamento os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio.
Saiu vencedor o entendimento partilhado por Fontes, de que a norma não configura quebra de sigilo bancário, mas sim transferência de informações entre bancos e o Fisco, ambos protegidos contra o acesso de terceiros. Para a maioria dos ministros, como bancos e Fisco têm o dever de preservar o sigilo dos dados, não há ofensa à Constituição Federal, em especial aos incisos X e XII do artigo 5º, que tratam da intimidade e do sigilo de dados.
A controvérsia agora cinge-se ao emprego dessa prova para fins de instrução de processo-crime, pois há entendimento tanto no sentido de que para isso seria imprescindível decisão judicial para a obtenção dos dados quanto no sentido de que, tendo sido a prova produzida validamente no âmbito administrativo, não há como invalidá-la posteriormente.
Processo: HC 0020412-68.2016.4.03.0000/SP